terça-feira, 11 de março de 2014

SANTO ANTÔNIO

 
 
Santo António nasceu em Lisboa em data incerta, numa casa, assim se pensa, próxima da Sé, às portas da cidade, no local onde posteriormente se ergueu a igreja sob sua invocação. A tradição indica 15 de agosto de 1195, mas não há documento fidedigno que confirme esta data. Também foi proposto o ano de 1191, mas, segundo um seu biógrafo, o padre Fernando Lopes, as contradições em sua cronologia só se resolveriam se ele tivesse nascido em torno de 1188. Tampouco se sabe com certeza quem foram seus pais. Nenhuma das biografias primitivas os citam, e somente no século XIV, a partir de tradições orais, é que se começou a atribuir ao pai o nome de Martim ou Martinho de Bulhões, e à mãe, o de Maria Teresa Taveira. Fixando-se esses nomes na memória popular, e com a crescente fama do santo, não custou a biógrafos tardios atribuírem também aos seus pais uma dignidade superior. Do pai foi dito ser descendente do celebrado Godofredo de Bulhões, comandante da I Cruzada, e da mãe, que descendia de Fruela I, rei de Astúrias, mas tal parentesco nunca pôde ser comprovado. A forma de seu nome de batismo é igualmente obscura, pode ter sido Fernando Martins ou Fernando de Bulhões.
Fez os primeiros estudos na Igreja de Santa Maria Maior (hoje Sé de Lisboa), sob a direção dos cónegos da Ordem dos Regrantes de Santo Agostinho. Como era a prática da ordem, deve ter recebido instrução no currículo das artes liberais do trivium e do quadrivium, o que certamente plasmou seu caráter intelectual. Ingressando ainda um adolescente como noviço da mesma Ordem, no Mosteiro de São Vicente de Fora, iniciou os estudos para sua formação religiosa. A biblioteca de São Vicente de Fora era afamada pela sua rica coleção de manuscritos sobre as ciências naturais, em especial a medicina, o que pode explicar as constantes referências científicas em seus sermões.
Poucos anos depois pediu permissão para ser transferido para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a fim de aperfeiçoar sua formação e evitar distrações profanas, já que era constantemente visitado por amigos e parentes. Coimbra era na época o centro intelectual de Portugal, e ali se deve ter envolvido profundamente no estudo das Escrituras e nos textos dos Padres da Igreja. Nesta época entrou em contato com os primeiros missionários franciscanos, chegados em Portugal em 1217, e que estavam a caminho do Marrocos para evangelizar os mouros. Sua pregação do Evangelho no espírito de simplicidade, idealismo e fraternidade franciscana, e sua determinação missionária, devem ter tocado o sentimento de Fernando. Entretanto, uma impressão ainda mais forte ocorreu quando os corpos desses frades, mortos em sua missão, voltaram a Coimbra, onde foram honrados como mártires. Autorizado a juntar-se a outros franciscanos que tinham um eremitério nos Olivais, sob a invocação de Santo António do Deserto, mudou seu nome para António e iniciou sua própria missão em busca do martírio.

 

A sua missão

 
Por essa altura, decidiu deslocar-se ele também a Marrocos, mas, lá chegando, foi acometido por grave doença, sendo persuadido a retornar. Fê-lo desalentado, já que não havia proferido um único sermão, não convertera nenhum mouro, nem alcançara a glória do martírio pela fé. No regresso, uma forte tempestade arrastou o barco para as costas da Sicília, onde encontrou antigos companheiros. Ali se quedou até a primavera de 1221, dirigindo-se com eles então para Assis a fim de participarem do Capítulo da Ordem - o último que seria feito com a presença do fundador . Em Assis encontrou-se com São Francisco de Assis e os seus primeiros seguidores, um evento de grande importância em sua carreira. Sendo designado para um eremitério em Montepaolo, na província da Romagna, ali passou cerca de quinze meses em intensas meditações e árduas disciplinas.
Pouco depois aconteceu uma ordenação de frades em Forlì, quando deixou o isolamento e para lá se dirigiu. Até então os franciscanos não sabiam de sua sólida formação, mas faltando o pregador para a cerimónia, e não havendo nenhum frade preparado para tal, o provincial solicitou a António que falasse o que quer que o Espírito Santo o inspirasse. Protestou, mas obedeceu, e dissertando para os franciscanos e dominicanos lá reunidos de forma fluente e admirável, para a surpresa de todos, foi de imediato destinado pelo provincial à evangelização e difusão da doutrina pela Lombardia. Entretanto, a prática franciscana desencorajava o estudo erudito, mas em novembro de 1223 o papa Honório III sancionou a forma final da Regra da Ordem Franciscana, onde uma formação mais aprimorada se tornou autorizada, desde que submissa ao trabalho manual, à prece e à vida espiritual. Recebendo a aprovação para a tarefa pastoral do próprio Francisco, fixou-se então em Bolonha, onde se dedicou ao ensino da teologia na universidade e à pregação. Deslocando-se em seguida para a França, ensinou nas universidades de Toulouse e Montpellier, passando também por Limoges.
Em 1226 assistiu ao Capítulo de Arles, e em outubro do mesmo ano, após a morte de Francisco, serviu como enviado da Ordem ao papa Gregório IX, para apresentar-lhe a Regra da Ordem. Em 1227 foi indicado ministro provincial da Romagna e passou os três anos seguintes pregando na região, incluindo Pádua, para audiências cada vez maiores. Nesse período colocou por escrito diversos sermões.
Participou do Capítulo Geral, em Assis, em 1230, onde também assistiu no translado dos restos mortais de São Francisco de Assis, da Igreja de São Jorge para a nova Basílica.
Nesse mesmo ano, de 1230, solicitou ao papa dispensa de suas funções como provincial para dedicar-se à pregação, reservando algum tempo para a contemplação e prece no mosteiro que havia fundado em Pádua.
Sempre trabalhando pelos necessitados, envolveu-se também em questões políticas, a exemplo de sua viagem a Verona para pedir a libertação de prisioneiros guelfos feitos pelo tirano gibelino Ezzelino, e em 1231 persuadiu a municipalidade de Pádua a elaborar uma lei que impedia a prisão por dívidas se houvesse a possibilidade de compensação de outras formas.
Pouco depois da Páscoa de 1231 sentiu-se mal, declarou-se hidropisia e ele deixou Pádua para dirigir-se ao eremitério de Camposanpiero, nos arredores da cidade. Aí, há a versão que terá sido hospedado pelo conde Tiso, devido o estado de saúde precário, ou que seus companheiros ergueram-lhe uma cabana no alto de uma árvore, onde permaneceu alguns dias. Percebendo que a morte estava próxima, pediu para ser levado de volta a Pádua, mas apenas tendo alcançado o convento das clarissas de Arcella, subúrbio de Pádua, ali faleceu, em 13 de junho de 1231. As clarissas reclamaram seu corpo, mas a multidão acabou sabendo de seu passamento, tomou-o e o levou para ser sepultado na Igreja de Nossa Senhora. Sua fama de santidade era tamanha que foi canonizado logo no ano seguinte, em 30 de maio, pelo papa Gregório IX. Os seus restos mortais repousam desde 1263 na Basílica de Santo António de Pádua, construída em sua memória logo após sua canonização. Quando sua tumba foi aberta para iniciar o processo de translado, sua língua foi encontrada incorrupta, e São Boaventura, presente no ato, disse que o milagre era prova de que sua pregação era inspirada por Deus. E incorrupta está até hoje, em exposição na Capela das Relíquias da Basílica. Foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Pio XII em 16 de janeiro de 1946 e é comemorado no dia 13 de junho.

Sua pregação, seus escritos e a presença contemporânea de sua obra

Entre suas várias qualidades, chamou a atenção de seus contemporâneos seu admirável dom como pregador. Muitas descrições de época referem o fascínio que sua fala exercia sobre as multidões de pessoas simples e também sobre clérigos doutos, e embora o efeito de sua oração a viva voz não possa mais ser recuperado, seu estilo e os conteúdos que abordava podem ser conhecidos em parte através dos 77 sermões que sobreviveram e constam em sua obra publicada em edição crítica, Sermões Dominicais e Festivos, e que são considerados autênticos, conforme disse José Geraldo Freire. São textos eloquentes, persuasivos, cheios de zelo messiânico, sendo frequentes a defesa do pobre e a reprimenda do rico, e o combate às heresias de seu tempo, como as dos albigenses e valdenses, com uma eficácia tanta que lhe foi dado o apelido de malleus hereticorum (o martelo dos heréticos).
Embora a tradição atribua seu dom à inspiração divina, não é possível deixar de considerar o importante papel que sua formação erudita desempenhou neste aspecto de sua vida e obra. A análise das referências que fez em seus escritos, junto com o levantamento das fontes literárias presentes em seu tempo nas bibliotecas que frequentou, especialmente a de Santa Cruz, atestam sem sombra para dúvidas que sua preparação intelectual foi ampla e profunda.19 Além de um conhecimento detalhado da Bíblia, dos escritos dos Padres da Igreja e outros escritores cristãos, são encontradas citações de clássicos como Aristóteles, Cícero, Catão, Sócrates, Dioscórides, Donato, Eliano, Escribónio, Euquério de Lião, Festo Solino, Filão de Alexandria, Tibulo, Sérvio, Públio Siro, Juvenal, Plínio, o Velho, Varrão, Sêneca, Flávio Josefo, Horácio, Ovídio, Lucano e Terêncio. Seu conhecimento das ciências naturais ultrapassa em muito o currículo regular das artes liberais medievais, aprofundando-se em áreas como a medicina, a física, a história natural, a cosmografia, mineralogia, zoologia, botânica, astronomia e óptica. Nas palavras de José Antunes, "Santo António de Lisboa, embora muito festejado e venerado como santo pelo povo, é menos conhecido como um homem de cultura literária invulgar e como um verdadeiro intelectual da Idade Média. Reveladora dessa cultura ímpar, é a sua obra escrita, cheia de beleza e densidade de pensamento, como nos testemunham os seus Sermões, autênticos tesouros da Literatura e da História. Vasta, profunda, extraordinária, a respeito da Sagrada Escritura. Ampla, variada e bem apropriada nas transcrições dos Padres da Igreja e dos Autores Clássicos. Impressionante, para o tempo, não apenas pelo conhecimento que revela das ciências naturais e das humanidades, mas igualmente pelo erudito discurso sobre noções jurídicas, como Poder, Direito e Justiça".
Naturalmente, era fiel à ortodoxia cristã. Apesar de sua extensa cultura profana, considerava a Escritura sagrada a fonte da ciência superior, da verdadeira ciência, da qual todas as outras eram meras servas e simples coadjutoras no trabalho da Salvação. Por isso deu grande importância a uma boa exegese do texto sagrado, privilegiando a extração do seu sentido moral. Nota-se ainda em sua obra alguns dos primeiros sinais de um progressivo abandono do pensamento medieval, que apresentava o homem e o mundo como desprezíveis e fontes do pecado, abrindo-se a uma apreciação mais positiva da vida concreta e do relacionamento humano, entendendo o ser humano como uma maravilhosa obra divina. Na análise de Pedro Calafate, "Santo António não olvidará a excelência da contemplação, mas sublinhará não obstante a circunstância terrena do homem como corpo e alma, sem deixar de considerar que a abertura à exterioridade não transforma o amor aos outros e às criaturas no apego à posse das coisas, estando neste caso o culto da pobreza, nomeadamente as críticas severas que dirigiu aos prelados e dignatários eclesiásticos, por se comprazerem nos luxos do século. Tratando-se de uma espiritualidade que não olvidou a dimensão prática e vivencial, equacionou também a relação entre a ação e a contemplação no quadro da mística. Filha da vontade e do amor, numa alienatio mentis que supera o plano estritamente racional para que a alma, inteiramente conduzida pela graça, contemple Deus como em espelho ou em enigma, a mística tampouco representará uma renúncia à vida ativa, nem às exigências da vertente racional do homem, porque a alma volta e regressa à vida ativa para a realizar com maior perfeição, numa confluência entre o entender e o contemplar, o saber e a sabedoria".
Contudo, é de dizer que na forma como chegaram, os ditos sermões são antes um manual didático para os noviços do que transcrições de sermões verdadeiramente proferidos. Foram produzidos para seus alunos, para instruí-los na arte predicatória, a fim de que depois eles pudessem converter com sucesso os pecadores e infiéis à fé cristã. Apesar disso, eles possuem em seu conjunto pouca ordem sistemática.
Os sermões são ainda um precioso documento de época, muitas vezes fazendo alusões às transformações sociais e económicas que ocorriam durante aquele período, atestando o crescimento das cidades, o florescimento das atividades artesanais e do comércio, o surgimento das corporações de ofícios, as diferenças de classes. Além dos conteúdos sacros, que ainda preservam seu caráter inspirador, tais alusões - onde surge aguda crítica social na condenação da avareza, da usura, da inveja, do egoísmo, da falta de ética na administração pública, dos falsos moralistas e hipócritas, dos maus pastores de almas, do orgulho dos eruditos, dos ricos ensimesmados em sua opulência que oprimem e excluem os pobres do tecido social - são responsáveis pelo valor perene e atual de seus escritos, sendo passíveis de imediata identificação com muitas circunstâncias e contradições da vida contemporânea.

Um comentário:

  1. Ai que lindo. Sou devota de Santo Antônio, nasci no dia dele.
    Obrigada por postar a sua história e seus feitos.
    beijo
    JJ

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