segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A HISTÓRIA DO SÁBIO NATHAN

Há muito tempo atrás, viveram dois homens que se tornaram amigos. Eram porém tão diferentes um do outro que todas as pessoas que de tal sabiam se admiravam. Um era Saladino, o sultão da Babilônia, o outro, Nathan, um piedoso judeu.
Saladino era conhecido pelo seu povo pela valentia com que derrotava os seus inimigos. Nathan tinha fama de ser rico e muito avarento.
Foi assim que tudo se passou:
Certo dia, o sultão, que era esbanjador, viu-se em apuros: a câmara do tesouro estava vazia. Esperava impacientemente por uma grande soma de dinheiro que vinha do Egipto, mas a caravana que devia trazer-lha tinha, pelos vistos, perecido numa tempestade do deserto, ou fora assaltada por ladrões.
O sultão só encontrou uma forma de sair da sua aflição: pedir ajuda a um homem que só conhecia de ter ouvido falar: Nathan.
“Nathan vai emprestar-me o dinheiro a juros exorbitantes”, pensou ele. “Tenho de arranjar maneira de impedir que isso aconteça.”
Para o sultão teria sido fácil recorrer à violência para obrigar Nathan a dar-lhe o dinheiro de que precisava, mas quis tentar, fazendo uso da delicadeza e das boas-maneiras aparentes.
Mandou chamar Nathan e recebeu-o amavelmente, com todas as honras.
— Meu amigo — disse-lhe ele — já ouvi de muita gente que não só és piedoso, como também versado nas coisas divinas. No nosso país há três religiões que lutam entre si e cada qual faz-se passar pela melhor. Gostaria de saber da tua boca qual das três é para ti a religião verdadeira, a judaica, a muçulmana ou a cristã.
Nathan, que não só era rico mas também inteligente, suspeitou que, com esta pergunta, Saladino queria armar-lhe uma ratoeira. Qualquer que fosse a tradição religiosa que ele colocasse em primeiro lugar, o sultão armar-lhe-ia uma cilada a partir da resposta.
“Digo: a judaica, e o sultão acusa-me de estar contra a sua religião. Digo: a tua religião, sultão, e ele pergunta-me porque não acredito na crença judaica.”
Nathan refletiu por um momento e de seguida disse:
– Meu senhor, a pergunta que me colocas é sábia e profunda. Se devo dar-te a minha opinião, deixa-me, como resposta, contar-te uma história.

Há muitos anos, viveu no Extremo Oriente, um homem abastado. Entre os muitos tesouros que tinha, guardava um anel de valor incalculável: um diamante que refletia a luz em todas as cores. E aquele que o via não era capaz de despregar os olhos dele.
Contudo, o que tornava o anel ainda mais valioso era o poder especial que atribuía àquele que o usasse no dedo: o poder de amar o outro como a si mesmo.
Tal como seu pai e todos os seus antepassados, também este homem iria um dia deixar o anel ao mais querido dos seus três filhos.
O homem tinha três filhos. Davam-lhe muitas alegrias, todos eram dignos do amor do pai e espertos, cada um à sua maneira, mas o pai amava-os a todos por igual.
A quem deveria deixar o anel?
Quanto mais o tempo passava, mais difícil lhe parecia a resposta. Em conversas privadas com o pai, cada um dos filhos tentava convencê-lo de que só ele era digno de possuir o anel e de substituir o pai como chefe de família.
Por isso, num dia, o homem prometeu o anel ao mais velho, no outro dia, ao mais novo, e no terceiro, ao do meio.
Por fim, mandou chamar um ourives e deu-lhe a tarefa de fazer mais dois anéis e de não se poupar a esforços para os fazer iguais ao original.
Assim que o artista acabou o trabalho, nem mesmo o pai conseguia distinguir o original das cópias.
No leito de morte, mandou chamar os três filhos pela última vez, abençoou-os e deu um anel a cada um.
Mal o pai foi enterrado, o mais velho gabou-se de ser o dono do anel, mas não coube em si de espanto quando os dois irmãos mais novos mostraram, envaidecidos, uma jóia igual.
Começaram a discutir e a insultar-se. Mandaram examinar minuciosamente o anel mas em vão. Cada um dos anéis era tão valioso como os demais. Nem o juiz conseguiu decidir qual dos três irmãos era o herdeiro legítimo.
Após muito refletirem, concluíram que o pai os amava aos três por igual e os escolhera a todos. Fizeram por isso as pazes e passaram, dali por diante, a amar o próximo como a si mesmos, cada um à sua maneira… para agradarem ao pai.


Quando Nathan acabou a história, fez-se silêncio por um momento.
— Desculpa — disse por fim Nathan — porque também eu não me atrevo a distinguir os três anéis. Não devemos, por isso, tentar decidir qual das três religiões é a única verdadeira. Vamos olhá-las como iguais e como dons do Pai que são.
— Caro Nathan, a tua história toca-me — disse o sultão. — Sê meu amigo daqui para a frente.
Ao ouvir a história, Saladino tinha esquecido por completo a razão por que havia chamado Nathan.
— Não tinhas mais nenhum pedido a fazer? — lembrou-lhe Nathan.
— Não — respondeu o sultão.
— Ah! — disse Nathan a seguir. — Voltei há pouco de uma viagem bem sucedida e tenho muito dinheiro em casa. Se precisas dele, de boa vontade te ajudo.
Agradecido, Saladino aceitou a oferta e confessou que, no fundo, fora o que primeiro tinha pretendido dele, tendo pensado obtê-lo pela força, caso fosse preciso.
Pouco depois, o sultão pôde devolver a Nathan o dinheiro emprestado. Cumulou-o de riquezas e concedeu-lhe honras e prestígio em todo o reino.
Max Bolliger
Die Geschichte des weisen Nathan
Wien, Herder Verlag, 2004
Texto traduzido e adaptado

Fonte:
http://caminhos-de-espiritualidade.blogspot.com.br/

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