quinta-feira, 18 de novembro de 2021

MALANDRO CAMISA PRETA

 Para honra e glória do Divino Oxalá,

Para honra e glória da Divina Iansã,

Para honra e glória do Divino Ogum,

Para honra e glória da divina Maria Navalha do Cais,

Para honra e glória do divino José Phelintra.

Todas as entidades que descem, incorporam e praticam a Caridade, por meio da Umbanda Sagrada Brasileira — USB, viveram um dia uma vida carnal, tiveram frustrações, amaram, sofreram indiferenças ou gozaram alegrias. Tudo que a vida neste planeta pode oferecer nossos guias espirituais provaram, pois, antes de serem o que são, atuais mistérios da Criação Divina, foram simples humanos. Daí que quando desencarnaram, conforme seus graus evolutivos, passaram a atuar na religião, seja atuando na direita, na esquerda ou no meio. Seja como caboclos, preto-velhos, boiadeiros, crianças, ciganas, pomba giras, não importa. Todos tiveram uma passagem terrena. Alguns encarnaram mais de uma vez, outros apenas uma, outros ainda podem estar prestes a encarnar novamente no exato instante em que você, leitor deste humilde blog, passa a vista nestas linhas.

Com isso, notamos a infinita bondade do nosso senhor Zâmbi, tendo em vista que podemos e devemos praticar a caridade tanto no plano carnal quanto no espiritual, basta querer. Mesmo os que não praticaram em vida, podem se redimir de alguma maneira, pois para Deus ninguém está perdido. Mesmo os que não praticaram com tudo que podiam, estes também podem consertar suas falhas, seus erros, não importando quanto tempo demore. Afinal, tempo é o de menos quando a questão é fazer o bem sem olhar a quem, não é mesmo, irmãos e irmãs?

É sobre um destes guias espirituais que desviaram o foco de sua missão na terra que vou falar hoje. Mais precisamente a respeito de uma entidade chamada Miguel Camisa Preta, um malandro, bom malandro. Talvez desconhecidos para uns, talvez íntimos para outros, whatever. Esse texto surge exatamente para trazer mais luz a respeito da história deste falangeiro de Oxalá, Ogum e Iansã. Mas por quê Oxalá, Ogum e Iansã?, vocês devem estar se perguntando. E eu respondo. Nosso pai Oxalá responde pelo trono da Fé e um malandro sem fé não é malandro. É costumeiro ouvirmos as malandras e os malandros dizer: o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada! Ou até mesmo: salve quem tem fé, salve quem não tem! Salve quem crê, salve quem não crê! Coisas do tipo. E Ogum porque, se no imaginário popular a figura do malandro era de alguém à margem da sociedade e suas leis, sem emprego fixo, fazendo da rua sua morada, da noite seu teto e do boteco seu terreiro, hoje o malandro atua, vibra e auxilia Ogum na aplicação da Lei Maior. E Iansã porque sempre que um malandro vem a um terreiro traz bons ventos. Epahey pra Oyá!

Fiz algumas pesquisas para este texto, de cunho documental. Vasculhei artigos, teses e outros trabalhos acadêmicos sobre a figura do Malandro, a construção do mito Malandro no imaginário popular, a retratação na Literatura, na Música, mais precisamente no Samba, nos desfiles carnavalescos, a história e o contexto de homens e mulheres que ganharam essa alcunha em vida como Madame Satã, talvez o mais conhecido e o mais longevo malandro de que se tem notícia e muitos outros, que viveram a malandragem em terra. 

Vale ressaltar que as falanges atuantes na Umbanda são uma metáfora das classes sociais protagonistas na formação da identidade nacional, portanto, temos através o nosso povo Indígena representado pelos caboclos de pena; o Povo Africano escravizado no Brasil colonial representado pelos amados Pretas Velhas; Ciganas, historicamente enviados ao Brasil como modo de “limpar as ruas de Portugal” e as demais, seguindo essa lógica interpretativa. Ou seja, é fácil entender a formação do nosso país através das falanges que trabalham na nossa Umbanda Sagrada. Tão fácil e tão justo também. É algo que, a meu ver, cabe ser ensinado nos livros de História do Brasil.

Falando nisso, preciso resgatar alguns acontecimentos para entender o surgimento da figura do Malandro. Em 1888 tivemos a Abolição da Escravidão; em 1889 a Proclamação da República. Com isso, os ex escravos saíram das senzalas e foram para os morros, pois seus antigos chefes preferiam pagar para imigrantes europeus trabalharem em suas fazendas do que para os africanos que eles mesmo retiraram do seio da mãe África. Esse fato faz com que o próprio Governo da época incentive a vinda de mais europeus para o Brasil, italianos, alemães e japoneses. A partir de 1908 a chegada de nipônicos em nosso país foi altíssima. Outro fator que também contribuiu para a vinda desse povo todo pra cá foram as duas Guerras Mundiais do mortífero século XX. Houve então uma tentativa de embranquecimento da nossa população através da miscigenação desses povos.

Culturalmente falando, começa a se pensar na criação de uma identidade nacional, que identifique a todos, ou a uma maioria, no caso, a dominante. Nesse momento o Samba ainda não tinha descido o morro e a Capoeira era praticada em becos, beira do cais e as religiões de terreiro fechava essa trinca de manifestações perseguidas oficialmente pelas instituições federais.

Falando de uma maneira lúdica, o Malandro surge dentro desse contexto e a contra gosto dos órgãos de controle. O Malandro trabalha no cais de estivador, de pescador, trabalha no morro com jogo do bicho, como cafetão nas ruas e nos bares onde se tocava o samba, vira compositor, canta, dança e aprende a capoeira para se defender da polícia da época, dos desafetos e bate cabeça na Macumba Carioca ou n’As Religiões do Rio’, como pincelou o jornalista Paulo Barreto em seu livro homônimo. 

É bem aqui que consigo localizar a passagem do Malandro Miguel Camisa Preta, claro, através de dois jornais da época: A Noite e Gazeta de Notícias, ambos do Rio de Janeiro. Óbvio, outros jornais escreveram sobre Miguelin do Morro, como também era conhecido, entre eles Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Contudo, vou me ater aos dois primeiros para esta publicação.

De acordo com os impressos A Noite e Gazeta de Notícias ocorreu o seguinte:

Na madrugada de sexta-feira, 12 de Julho de 1912, por volta de 1h. Um pouco mais, um pouco menos. O Malandro Miguel se encontrava à Rua Núncio no Rio de Janeiro, que hoje deve corresponder à Avenida Tomé de Souza com Visconde do Rio Branco, imediações do Centro carioca.

Lá conversava com um comerciante chamado Antônio Júlio Xavier, quando chegou o cabo da brigada militar Elpídio Ribeiro da Rocha acompanhado de Manoel Tibúrcio Garcia, seu comparsa. Segundo os dois jornais, o cabo falou se direcionando a Miguel:

- Um de nós tem de morrer hoje!

Camisa Preta estaria recostado a um muro, mãos no bolso, muito possivelmente portando um revólver. Xavier tentava contornar a situação quando novamente o cabo da brigada disse:

- Eu só não atirarei no ‘Camisa’ se ele tirar as mãos do bolso.

Assim fez Miguel, porém mal tirara as mãos do bolso foi atingido na cabeça por um tiro disparado direto da arma de Elpídio. Com o corpo de Camisa Preta caído no chão, o cabo efetuou ainda mais quatro disparos, sendo mais um na cabeça, na mão esquerda, ombro e ventre. O legista, Dr. Rodrigo Caó, que preparou o obituário do falecido afirmou que qualquer um dos tiros seria suficiente para matar Miguel, com exceção do da mão.

Necrotério

A essa altura, o nome de Camisa Preta era conhecido das páginas policiais dos impressos, na boca de outros malandros da Lapa, de mulheres da noite, de políticos para quem o gatuno trabalhava e claro, da polícia. Conhecido e respeitado. Logo o necrotério para onde o corpo foi levado lotou de admiradores, parceiros, amores, curiosos, jornalistas, outros. Seu enterro não foi diferente no que tange à proporção de pessoas que apareceram para a despedida final de um dos malandros que grafou sua passagem na história do Rio de Janeiro no século XX.

Rixa

Considerando as informações do Jornal Gazeta de Notícias, a rixa entre o cabo Elpídio e Miguel começara um ano antes, quando Elpídio matara outro malandro, um conhecido como Leão do Norte, que seria muito amigo de Camisa Preta, que jurou vingança pela morte.

Assim, não muito antes da morte de Miguel, tanto este como o Cabo já haviam se encontrado antes de forma violenta. Do encontro, os dois foram parar numa delegacia. Miguel fora baleado na perna e passou um ano ‘sumido’.

Tempos depois, o cabo Elpídio morria num incêndio após salvar uma criança das chamas. (no meu sonho eu via uma igreja "queimada", toda preta e cheguei a pesquisar se algum malandro CAMISA PRETA tinha morrido queimado!) Com certeza este cabo ELPÍDIO também trabalha na linha da malandragem! 


Sacralização na Umbanda

Não se sabe ao certo quando o malandro Miguel Camisa Preta baixou num terreiro de Umbanda pela primeira vez. Há quem separe as entidades em Malandro Miguel e Malandro Camisa Preta e ainda em Malandro Miguel Camisa Preta, algumas entidades usam o nome de Miguelzinho, que teria sido filho de Zé Pelintra. Respeito todos. Respeito quem defende a existência deste e daquele. Particularmente acredito que todos respondem a um mesmo mistério, a um mesmo trono, a uma mesma regência, a uma mesma energia, a uma mesma egrégora.

Se consideramos que existe o mistério Tranca Ruas e a partir dele Tranca Ruas das Almas, Tranca Ruas de Embaré, Tranca Ruas do Cruzeiro etc, cada qual com uma especificidade e um campo de atuação fica fácil entender a variação no nome dos Camisa Preta dentro da Umbanda. Em um texto anterior deste blog, trago uma explicação sobre Como A Falange de Malandros Se Tornou Sagrada Na Umbanda, logo não cabe aqui repetir.

Quando decidi montar este blog para falar sobre a amada Umbanda Sagrada Brasileira — USB, este foi um dos primeiros textos que me veio a mente para produzir, porém fui amadurecendo a ideia de como abordar uma pequena parte da vida deste Malandro. Existem outras falanges com variações parecidas, exemplo: Camisa Listrada, Camisa Vermelha, porém são ainda mais raros que seu Camisa Preta.

De todas as informações colocadas neste texto, apenas o nome Miguelin do Morro eu soube por confirmação de entidade. As demais consegui pesquisando, traçando uma linha do tempo para melhor entendimento. Acredito que não cheguei por acaso nesses estudos, teses e artigos, pois como eu sozinho poderia saber que existiu de verdade uma pessoa cujo apelido era Camisa Preta? Fica a questão. 



Sei que há médiuns que trabalham com o Malandro Miguel em vários cantos do Brasil. Entendo que alguém pode discordar das informações contidas no texto ou até mesmo questionar as pesquisas. De antemão quero colocar meu respeito a todos e dizer que fiquem à vontade para contar a história que vocês conhecem dos Malandros desta falange que trabalham com vocês. Nosso Facebook e Instagram está aberto a essa troca de conteúdo, informação e estudo. Ninguém é dono da verdade neste lado da vida.

Salve a Malandragem!

Acosta, Mestre!

A Lapa, Zé!

Com a benção do meu mentor, Malandro Miguel Camisa Preta, o Miguelin do Morro!

Fiquem com este ponto:

Ponto do Malandro Miguel Camisa Preta

Uma da madrugada/O Cabo da Brigada/Matou seu Miguel.

Por covardia e vingança/Um homem sem confiança/mandou ele pro céu. (repete)

De manhã houve um grande tumulto/de tanta gente na porta do necrotério

E a Malandragem da Lapa estava toda de luto/querendo levar o Malandro lá pro cemitério.

Mas ele não tá lá, não tem corpo nenhum,

O Malandro Miguel Camisa Preta pede licença para seu Ogum.

Ele não tá lá, ele não está lá,

O Malandro Miguel Camisa Preta desceu em terra para trabalhar.

Mas ele não tá lá, não tem corpo nenhum,

O Malandro Miguel Camisa Preta pede licença para seu Ogum.

Ele não tá lá, ele não está lá,

O Malandro Miguel Camisa Preta desce com a benção de pai Oxalá. 

A seguir trecho de uma crônica escrita por Orestes Barbosa dando sua versão para os fatos. A crônica foi publicada em um jornal da época e pode ser lida em seu livro intitulado “Bambambã”.

Almas de Bandidos — Orestes Barbosa.
Almas de Bandidos — Orestes Barbosa (continuação)

ESTA MATÉRIA VEIO DAQUI:
https://umbandausb.medium.com/a-morte-do-malandro-miguel-camisa-preta-14cc6e545b8e

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